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A Maldição    
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A Maldição

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A Maldição

A Portuguese Story

 

 

 

 

 

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Dizem no meu país que existe uma maldição que recai sobre o sétimo filho nascido em qualquer família. A maldição não recairá sobre as filhas, mas se a mãe der à luz sete filhos então o último será com toda a certeza um Lobisomem – uma criatura que é metade homem, metade lobo. Dizem que tais criaturas atacam os humanos; dizem que são ferozes e cruéis. Mas este não era o caso de Filipe.

Há muito, muito tempo, havia uma pequena aldeia à beira da floresta. Na maior das vezes, era uma aldeia pacata, mas os aldeões viviam cheios de medo do Lobisomem que diziam morar nas profundezas da floresta. Os Lobisomens eram criaturas escuras, metade homen metade lobo e dizia‐se que quando era noite de lua cheia estas criaturas rastejavam para fora da floresta em busca de carne humana.

Mas como é que uma criatura destas é criada? É simples: a maldição que recai sobre o sétimo filho nascido em qualquer família.

Quando Filipe nasceu a sua mãe estava cheia de medo. Esperava uma filha, não um sétimo filho; mas a mãe de Filipe era bondosa e carinhosa e não iria voltar as costas ao seu próprio filho e não se importava com aquilo que os aldeões diziam sobre a maldição.

Passaram‐se muitos anos em paz. Filipe cresceu e tornou‐se num menino forte, muito amado pela mãe, pelo pai e pelos seis irmãos. Mas Filipe notava que era tratado de forma diferente dos seus irmãos. Não ia à escola porque a professora não o permitia. Não era justo, pois o menino adorava aprender coisas novas e ansiava fazer amizade com outras crianças.

Quando Filipe ia ao pão a pedido da mãe, as pessoas da aldeia nunca cruzavam o seu caminho e olhavam para ele sempre com um misto de medo e ressentimento que desencoragava o rapaz. As outras crianças não brincavam com ele e nunca o deixavam sair para o jardim em noite de lua cheia. Esta última questão era talvez a pior de todas porque

Filipe adorava a Lua – sobretudo quando estava cheia e redonda no céu escuro –, havia algo nela que lhe despertava os seus sentidos e fazia com que ele tivesse vontade de cantar, dançar e correr.

Embora a vida fosse calma, estava longe de ser feliz. Filipe estava cada vez mais isolado a cada ano que passava. Não tinha amigos e nunca foi convidado para brincar com as outras crianças. Às vezes ouvia as gargalhadas e imaginava os jogos que estariam a jogar e como se estariam a divertir. Filipe também notava que até a própria mãe e os irmãos começavam a olhar para ele de forma estranha.

– O que é que está errado em mim? – perguntava Filipe muitas vezes a si próprio. – Eu não sou assim tão mau menino. Faço as minhas tarefas e quase nunca me porto mal. Por que é que sou tratado de forma tão diferente das outras crianças?

À medida que se aproximava do seu décimo quinto aniversário, Filipe estava mais triste do que nunca. A mãe raramente o deixava sair de casa e muitas vezes parecia agitada quando estava ao pé dele. As crianças maldosas atiravam‐lhe pedras se o vissem a brincar sozinho ao lado da sua casa, mas quando ele os desafiava elas fugiam dele como se ele fosse um monstro. Às vezes Filipe desejava fugir para a grande floresta e nunca mais voltar. Um dia a mãe sentou‐se com ele e explicou‐lhe a razão dos seus problemas.

–Tu és o meu sétimo filho –, disse ela – e há uma maldição que recaiu sobre ti, meu filho.

Filipe ficou muito confuso.

– Que espécie de maldição?– perguntou ele.

– Quando fizeres quinze anos, transformar‐te‐ás em Lobisomem, uma criatura que é metade homem metade lobo.

Filipe sabia tudo sobre Lobisomens que aprendera nos livros e nas histórias contadas pelos seus irmãos à noite quando julgavam que ele já estava na cama a dormir. Mas nunca contaram ao Filipe que ele estava amaldiçoado. Ele não queria ser Lobisomem. Ele não queria ser feroz nem cruel, e a ideia de ter unhas compridas e pêlo espesso a cobrir‐lhe o corpo também não o convencia.

Na véspera do seu décimo quinto aniversário, o jovem Filipe estava mais triste do que nunca. Sentou‐se na sua cama, no escuro e chorou sozinho. «Sempre estive sozinho,» pensou ele. «Sempre fui tratado de forma diferente. E agora estou amaldiçoado e tornarme‐ ei Lobisomem. O que devo fazer? Eu só queria ser tratado como todas as outras pessoas. Tudo o que eu sempre quis foi brincar na floresta com amigos e admirar a bonita lua à noite.»

Nesse momento, Filipe olhou para fora da janela do seu quarto e viu a lua subir num céu azul‐escuro cheio de estrelas. Era uma lua grande e muito bonita e encheu o seu coração de alegria. Foi então que aconteceu algo muito estranho: Filipe sentiu uma agitação na sua barriga e comichão na pele. Do seu peito surgiu um som de uivo e ergueu a cabeça para a lua e chamou‐a como nunca tinha feito antes. O seu corpo de repente fico repleto de pêlo e as unhas das mãos e dos pés tornaram‐se longas garras cor‐de‐marfim. A sua roupa estava rasgada em pedaços e caiu no chão a seus pés. E quando Filipe se olhou ao espelho, viu o reflexo de um menino lobo alto a olhar para ele com o corpo coberto de pêlo espesso e olhos vermelhos selvagens que pareciam brilhar no escuro.

– Afinal sou um Lobisomem! – exclamou.

Filipe sentiu o chamamento da lua e da floresta e soube então que estava na hora de virar costas à sua antiga vida e abraçar o seu destino.

O jovem menino lobo abriu a janela do seu quarto. Pouco antes de pular para a noite, parou e olhou para o seu quarto uma última vez e os seus pensamentos foram para a sua mãe, o seu pai e os seus seis irmãos. «Lembrar‐me‐ei sempre de vocês, da minha querida família, mas agora tenho de aceitar quem sou e começar uma nova vida.

Saltou da janela do quarto e correu para a floresta, sempre uivando para a lua, e com o seu coração repleto de uma esperança estranha para o futuro.

Quando Filipe estava nas profundezas da floresta, parou numa linda clareira e olhou para cima, para as árvores antigas e para a magnífica lua no céu. Uivou e uivou e saltou e dançou e riu... e quando finalmente parou de uivar e dançar, olhou em redor e notou que os Lobisomens estavam reunidos na clareira. Alguns eram novos como Filipe, outros eram mais velhos. Aproximaram‐se de Filipe e deram‐lhe as boas‐vindas.

– Agora estás em casa, na grande floresta entre amigos –, disse um deles com voz gentil e suave. E foi então que Filipe percebeu que não tinha sido amladiçoado.

– Eu sou um Lobisomem e estou em casa!– disse ele com um sorriso enquanto erguia a cabeça para a lua cheia e uivou com toda a força. Os outros Lobisomens juntaram‐se a ele e uivaram em uníssono para o céu em honra da lua.

A muitos quilómetros de distância, a mãe do Filipe estava no seu jardim em camisa‐dedormir e ouviu o uivo dos Lobisomens que uma suave brisa emanava da grande floresta. A velha senhora sorriu porque sabia que o seu sétimo filho tinha finalmente encontrado um lar onde seria bem‐vindo e onde teria muitos amigos e viveria uma vida longa e feliz. 

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